quinta-feira, 13 de abril de 2017

Alfabeto palavras expressões em Russo






Alfabeto russo

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

O alfabeto russo ou alfabeto cirílico russo moderno é a variante do alfabeto cirílico utilizada com o idioma russo. Foi introduzido na época do domínio do Rus de Kiev (um estado medieval dos eslavos orientais) simultaneamente à sua conversão ao cristianismo (988), de acordo com restos arqueológicos datados.
O idioma russo é escrito com esta versão moderna do alfabeto cirílico, que utiliza 33 letras.
A seguinte tabela apresenta as maiúsculas, junto com valores IPA para os sons de cada letra:

Vogais: А, Е, Ё, И, Й, О, У, Ы, Э, Ю, Я.
Consoantes: Б, В, Г, Д, Ж, З, К, Л, М, Н, П, Р, С, Т, Ф, Х, Ц, Ч, Ш ,Щ

Os nomes das letras

1. Até aproximadamente 1900, os nomes mnemônicos herdados da Igreja eslava eram usados para as letras. Pode-se ver aqui na ortografia pré-1918 do alfabeto civil pós-1708.

Como a maioria dos nomes antigos são obviamente nativos, tem-se argumentado que a leitura da lista na ordem tradicional produz um estilo de hino para a arte da linguagem, uma ordem moral:
аз буки веди Conheço letras.
глаголь добро есть Falar é benéfico
живете зело земля Vive de verdade (nesta) terra
иже и како люди мыслете a cal, de onde pensastes como seres humanos
наш он покой é por nossa tranquilidade
рцы слово твердо da palavra firmemente
ук ферт хер цы [daqui em diante...]
червь ша ер ять юс [...o significado é muito obscuro]

As letras não-vocalizadas

2. O sinal duro ъ indica que a consoante precedente não está palatalizada. Sua pronúncia original, perdida por volta de 1400 ou antes, era de um muito curto som estilo xwa, usualmente latinizado como ŭ.
3. O sinal brando ь indica que a consonante precedente está palatalizada. A sua pronúncia original, perdida por volta de 1400 ou antes, era a de um muito curto som estilo xwa com iod (palatalizado), usualmente latinizado como ĭ.
  
As vogais
  • . As vogais е, ё, и, ю, я palatalizam a consoante precedente, e todas elas, exceto и, ficam iotadas (com [j] precedendo). O и inicial foi usado até o sec. XIX.
  • . O ы é uma antiga vogal intermediaria tensa do Eslavonico comum, que melhor manteve sua pronunciação original no russo moderno que em outras línguas eslavas. Originalmente nasalizava-se em certas posicões: OR камы /kam1~/ R камень /kam'en'/ "rock". A sua forma escrita desenvolveu-se assim: ъ + і > ъı > ы.
  • . O э foi introduzido em 1708 para distinguir o /e/ não-iotado/não-palatalizado do que é iotado/palatalizado е. O uso original fora е para o não-iotado /e/, ıє ou Yat lc ru.PNG para o iotado, mas ıє ficou em desuso no século XVI.
  • . O ё, introduzido por Lomonosov no séc. XVIII, marca o som /io/ que historicamente evoluiu desde o /ie/ acentuado, um processo que segue a produzir-se hoxendia. A letra ё é opcional: é correto formalmente escrever e para /ie/ e mais para /io/. Nenhuma das várias tentativas no século XX de obrigar ao uso do ё teve êxito, e supõe-se que o uso de computadores debilitou-o, por causa da sua posição nos teclados russos atuais.

Letras eliminadas em 1918

  • . O і, idêntico na sua pronúncia ao и, se usava somente diante de vogais, por exemplo, Нью-Іоркъ (/n'ju jork/, "New York") e na palavra міръ (/mir/, "mundo") e os seus derivados, para o distinguir do (etimologicamente equivalente) миръ (também de pronúncia /mir/, "paz").
  • . A Fita lc ru.PNG, do grego theta (zeta), como no grego bizantino, tinha uma pronúncia igual ao ф, porém usava-se etimologicamente.
  • . A Yat uc ru.PNG ou Yat tinha originalmente um som distinto, mas na metade do século XVIII ficou com a mesma pronúncia que е na linguagem padrão. Desde a reforma da ortografia russa em 1918, na qual foi decidida sua eliminação do alfabeto russo, ficou apenas como símbolo residual da ortografia antiga.
  • . V (o grego ypsilon) era idêntico na sua pronúncia ao и /i/, como no grego bizantino, mas usava-se etimologicamente, até que se tornou cada vez mais esporádico e desapareceu após a reforma do alfabeto russo de 1918.

Letras em desuso antes de 1750

13. Ficheiro:Omega uc ru.PNG é a letra grega omega, idêntica na pronúncia a õ, usada na escritura secular so ate o sec XVIII, mas conserva-se na Igreja Eslavônica, maiormente para distinguir a forma inflexional.
14. S correspondia à primitiva pronúncia /dz/, já ausente no Eslavo Oriental, mas mantida pela tradição em certas verbas até o século XVIII e pela Igreja Eslava até a atualidade.
15. O yuses ficou, de acordo com a reconstrução linguistica, irrelevante para a fonologia eslava oriental a começo do periodo histórico, mas introduziu-se xunto com o resto do alfabeto cirílico. Ficheiro:Yus bolshoj io uc.PNG e Ficheiro:Yus malyj io uc.PNG decaíram maiormente no século XII. Ficheiro:Yus bolshoj uc.PNG continuou a usar-se, etimologicamente, até o século XVI. A partir daí restringiu-se a letra dominical nas táboas de Páscoa. O uso no século XVII do Ficheiro:Yus bolshoj uc.PNG e do Ficheiro:Yus maluij uc.PNG sobrevive na Igreja Eslava.
16. Ficheiro:Yus maluij uc.PNG adotou-se para representar o som iotado /ja/ я no meio ou fim de palavra; a letra moderna я é uma adaptação da sua forma cursiva do século XVII, santificada pela reforma da ortografía russa de 1708.
17. Ata o 1708, o /ja/ iotado escrevia-se ıa no início da palavra. Esta diferenciação Ficheiro:Yus maluij uc.PNG e ıa subsiste na Igreja Eslava.
18. Ainda que normalmente afirma-sé que as letras etiquetadas como "quedas em desuso no século XVIII", realmente foi algo mais complexo: Foron desde logo omitidas do alfabeto de mostra, imprimido nun estiloo occidental icon fonte serif, presentado no edicto de Pedro O Gran de, xuntamente coa letra moderna и, mais foi restaurado pola presión da Igrexa Ortodoxa. Nembargantes caiu completamente em desuso na escrita secular por volta de 1750.

Valores numéricos

19. Os valores numéricos corresponden aos números gregos, co S que se usa para o digamma, Ч para o koppa, e Ц para o sampi. O sistema foi abandonado para propósitos seculares em 1708, depois de um período transitório de cerca de um século; continua em uso pela igreja eslava.

Configuração do teclado

Em um teclado russo, as letras estão organizadas da seguinte maneira:
KB Russian.svg

 

 

 



 


































CABOCO - Sujeito típico de direito Amazônico

“CABOCO”: Sujeito típico de direito Amazônico (I)
Gursen De Miranda
Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias, professor-adjunto da UFRR e juiz de Direito de Roraima
Publicado na Folha de Boa Vista, de 15 de junho de 2005, p. 02.
 
Quando juridicizei o estudo do posseiro (De Miranda: 32) destaquei que o típico caboco vive às margens dos rios, igarapés, furos e paranás, totalmente alheio ao sistema jurídico vigente e desconhece o regime de propriedade privada do capitalismo selvagem dos dias atuais. Para esse trabalhador rural o importante é estar à beira do rio de onde tira seu alimento e serve de via de acesso à cidade; numa zona bem delimitada de terra extrai o açaí para beber e, numa área mais alta, cultiva um roçado de mandioca para obter a farinha, o que complementa sua alimentação. A caça é feita somente quando o peixe não vem, quando o rio está panema. O extrativismo é sua atividade “econômica” principal, pois, em alguns casos, existe o artesanato rústico com seus paneiros, abanos e coisas mais. A terra como terra não tem nenhum valor; o importante é o que a natureza produz sobre essa terra.
O caboco, historicamente, é reconhecido pelos brasileiros em geral como o tipo humano característico da população rural da Amazônia; como o homem do campo da Amazônia. Nesse sentido, caboco é o amazônida típico, essencialmente rural e, normalmente, ribeirinho. Inegavelmente, o caboco faz lembrar a figura de uma pessoa no ambiente amazônico. Portanto, caboco é uma designação específica e exclusiva do amazônida do âmbito rural, especialmente o ribeirinho.
Certamente, na Amazônia, também existem os trabalhadores rurais, com características da modernidade, chegados pela necessidade nas diversas levas de migrantes e pela esperança para os “grandes projetos”.
É oportuno destacar que, na Amazônia, caboclo é coisa de dicionário. O termo usado, normalmente é caboco, tanto no Pará, como no Amazonas, no Amapá ou em Roraima. Não observei em Rondônia e no Acre, e ainda tem o Tocantins. Aliás, em Roraima, o indígena que já assimilou os elementos culturais do não índio também é chamado de caboco, considerando-se a interação e a possível mestiçagem, pois, algumas malocas têm tuxaua não índio.
Ademais, não pretendo, nos limites deste trabalho, perquirir a etimologia da expressão caboclo. Se deriva do tupi caa-boc, “o que vem da floresta”; se do tupi kari’boca, “filho do homem branco”; ou se “ca­boclo foi inicialmente usado como sinônimo de tapuiu, termo genérico de desprezo que os povos indígenas usavam quando se referiam a indivíduos de outros grupos” (Lima: 9).
O certo é que não existe, no Brasil, uma política atuante direcionada aos interesses regionais, preocupada com o bem estar e a produção de alimentos para o povo amazônida. Os organismos internacionais, na mesma linha, ficam mais preocupados com os bichinhos e as plantinhas da Amazônia, atentos a sua água, a sua biodiversidade e ao seu potencial genético, e abstraem as pessoas nascidas e criadas na região, com suas necessidades naturais.
O índio, desde o período colonial, com a Carta Régia de 10 de setembro de 1611, tem ampla legislação amparando seu direito às áreas que tradicionalmente ocupa. O negro, com a Constituição Federal, de 1988, conquistou o direito às áreas quilombolas (ADCT: art. 68). Nada dizem sobre o caboco ribeirinho da Amazônia.
Raras são as pesquisas etnográficas, antropológicas ou sociológicas sobre o caboco, até o final dos anos 60 eram praticamente inexistentes.
A ficção literária foi a única fonte de conhecimento sobre o caboco. A literatura amazônica reconhece o caboco como o principal tipo humano da Amazônia. Exemplo marcante é o Manuel dos Santos Prazeres e a Maria de Todos os Rios descritos por Benedicto Monteiro, maior romancista vivo da Amazônia, cm Verde Vago Mundo, Minosauro, A Outra Margem, Aquele Um, Maria de Todos os Rios.
Na seara do Direito a abordagem sobre o caboco é inexistente. O caboco não é reconhecido como sujeito de direito na Amazônia. O Direito não apreendeu a importância que a figura merece no contexto amazônico. Não existem estudos jurídicos sobre a figura do caboco. Por certo, não é por acaso.
O caboco é um exemplo de adaptação do ser humano ao ambiente, ou seja, teve habilidade suficiente para obter os meios necessários para viver no vale amazônico.
O caboco, no âmbito agrário amazônico, tem como principal atividade econômica o extrativismo agrário (animal e vegetal), com destaque à pesca artesanal e a agricultura temporária (de sobrevivência); ocupa um ambiente de várzea ou terra firme; tem fortes laços de parentescos locais com os compadres, professa religião do “mundo dos encantamentos” e o catolicismo popular, tem hábitos alimentares peculiares e padrões de moradia distintos. Come farinha e dorme em rede.
Como bom caboco do centrão da Ilha de Marajó, lá da cidade de Anajás, pelo menos uma vez por semana tomo mingau de farinha na casa de meus pais, tomei muito chibé (farinha com água) acompanhado de um camarão ou um peixe salgado, um charque, tudo assado na brasa; sempre lembro do bolinho doce de farinha que minha mãe fritava à tarde para merendarmos; meu pai, com o ar de seus 85 anos de idade, todos os dias, após o almoço, bebia uma boa cuia de açaí com farinha. Tenho certeza que os italianos, se conhecessem, colocariam farinha no macarrão – é uma delícia.
Eu sou caboco. Sou caboco amazônida. Caboco marajoara.
 
  
 
 
“CABOCO”: Sujeito típico de direito Amazônico (II)
Gursen De Miranda
Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias, professor-adjunto da UFRR e juiz de Direito de Roraima
Publicado na Folha de Boa Vista, de 16 de junho de 2005, p. 02.
 
Afirma-se que a “razão por que caboclo não é utilizado como termo de autodesignação deriva do fato de nunca ter sido associado a um movimento político” (Lima: 21). A verdade está à margem dos estudos da pesquisadora.
O caboco é o grande herói da Cabanagem, único movimento político popular no Brasil em que o povo chegou ao poder, em luta que se estendeu pelo vale do rio Amazonas, no período de 1835 a 1840. Não por acaso o nome do movimento reflete a origem de seus atores, aqueles que viviam em cabanas, os cabocos.
Por certo, está faltando maior e mais aprofundado estudo sobre o caboco, como o principal sujeito nas relações na Amazônia. O caboco, portanto, apesar do preconceito dos que chegaram, tem valorização política desde os tempos da Cabanagem no contexto amazônico e não apenas como objeto das raras pesquisas.
A força do caboco, na atividade seringueira, torna-se bem evidente em sua relação com o regatão (McGrath: 57). O caboco controla os meios de produção e o produto de sua própria mão-de-obra, estando geralmente fora do alcance dos comerciantes e proprietários locais. É justamente por meio do processo de troca que a resistência caboca ocorre, e o regatão desempenha papel crítico na realização de pelo menos uma das formas dessa resistência.
A Fundação IBGE reconhece o caboco como um dos tipos regionais do Brasil, no mesmo patamar do gaúcho do Rio Grande do Sul, das baianas da Bahia, dos sertanejos do nordeste brasileiro. É uma distinção que considera a geografia, a história da colonização e as origens étnicas da população (Lima: 6).
É certo que um estudo sobre o caboco é complexo, pois, envolve dimensões geográficas, raciais e de classe (Lima: 6).
Em verdade, verifico um movimento para desacreditar o mais legítimo sujeito da Amazônia, com convicção sobre sua realidade.
É bem mais fácil criar denominações para manipulação e divulgação pela mídia, mais que não representa os verdadeiros interesses do sujeito amazônida, seja Povos da Floresta, Populações Tradicionais, Pescadores Artesanais ou Mulheres da Floresta (Lima: 28). São expressões vazias, artificiais, imposta pelos que se preocupam apenas com os bichinhos e plantinhas da Amazônia e, não por acaso, esquecem o ser humano que nasce, vive e pensa em morrer na Amazônia. Expressões que nada dizem para os amazônidas.
É preciso de todo lamentar atualmente, quando fazem referência ao amazônida, as denominações: invasor, grileiro, bandido...
Ora, é um absurdo “desistir de fazer uso da palavras caboclo, especialmente se pretendermos falar de identidades rurais na Amazônia contemporânea” (Lima: 29). Tal absurdo é afirmar “não há razão para não adotar novos nomes em seu lugar” (Lima: 28). O caboco, o verdadeiro e mais expressivo sujeito da Amazônia, certamente, não deve aceitar tamanho preconceito e inconcebível discriminação.
É abominável a construção referente ao caboco como pobre, selvagem, indolente, fracassado, preguiçoso, fraco, não determinado, atrasado (Lima: 20). O simplismo no estudo abstrai a realidade geográfica e etno-histórica da Amazônia e os elementos da cultura da selva tropical. Na Amazônia, no embalar preguiçoso de suas redes, mas com olhar altivo, como verdadeiros donos daquela imensidão – imensidão de terras, imensidão de florestas, imensidão de águas, ... imensidão cultural –, também existem seres pensantes – somos seres humanos. Por certo, somos um pouco diferentes: somos índios, os pioneiros; com orgulho, somos cabocos, somos negros, somos mulatos, cafuzos; igualmente brasileiros.
O amazônida é tranqüilo por sua própria natureza, pois aprendeu a viver em região com abundância, dela tirando seu necessário sustento, especialmente a farinha. O caboco é um indivíduo alegre, sábio, criativo, vaidoso e racional, por isso, desconfiado, perfeitamente adaptado à realidade social e ecológica da Amazônia.
A comparação do caboco com o nordestino, normalmente é tendenciosa, uma vez que desconsidera o modo de viver caboco como fator positivo, aquele que se satisfaz com a pura existência e é capaz de aproveitar a vida com o mínimo esforço.
Portanto, caboco é a população rural amazônica não índia, especialmente os nativos antes da chegada da grande leva de migrantes nordestinos nas últimas décadas do século XIX, e quatro primeiras décadas do século XX. Aliás, os migrantes nordestinos são conhecidos na Amazônia, pelos cabocos, como arigós, colonos, cearenses, nordestinos e brabos (não no sentido de valente ou forte, mas por desconhecer e destruir desnecessariamente o ambiente amazônico). É certo, porém, no final do século XX, os nordestinos que ficaram na Amazônia adquiriram as características cabocas.
Por outro lado, o caboco, sob nenhuma hipótese (Lima: 26), deve ser comparado ou confundido com o “matuto” ou o “caipira” do interior do centro e sul do País.
O caboco é aquele que expressa um modo de vida próprio da Cultura da Selva Tropical, da Cultura da Mandioca. Os aspectos econômicos, políticos e culturais podem identificar o caboco na sua origem. São pequenos produtores familiares que vivem da exploração dos recursos da natureza e têm amplo conhecimento da floresta.
Por isso, entendo no âmbito de um direito amazônico, que o caboco é o sujeito de direito típico. Conseqüentemente, é importante destacar que o caboco, o ribeirinho, também tem direito à propriedade.
Cabo destacar, por necessário, que o caboco não morreu e nem é uma alegoria regional; ele vive e reivindica seu verdadeiro lugar na Amazônia como legítimo sujeito de Direito.
Eu sou caboco. Sou caboco amazônida. Caboco marajoara.
 

terça-feira, 11 de abril de 2017

Da Teoria das Normas Fundamentais ao Positivismo Jurídico

 

Da Teoria das Normas Fundamentais ao Positivismo Jurídico

Ojr. Bentes

Para o jusnaturalismo, os direitos fundamentais são direitos pré-positivos, isto é, direitos anteriores mesmo à própria norma fundamental constituinte; direitos que decorrem da própria natureza humana, e que existem antes do seu reconhecimento pelo Estado. Já o Positivismo Jurídico considera que direitos fundamentais são aqueles considerados como básicos na norma positiva (=norma posta), isto é, na Constituição. Isso não impede que se reconheça a existência de direitos implícitos, em face do que dispõe, por exemplo, o art. 5º, § 2º, da CF.

A raposa sabe muitas coisas, diziam os Gregos, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante” é o antigo verso grego resgatado por Isaiah Berlin em sua obra O ouriço e a raposa: um ensaio sobre a visão de Tolstói da História em que estabeleceu uma classificação dos pensadores e filósofos como raposas ou ouriços conforme tivessem a percepção de um “quadro geral” ou de um quadro particular das questões sociais. Em consideração a esse mesmo verso, Ronald Dworkin introduz sua última obra afirmando que “Valor é uma grande coisa” e, para defender sua tese da unidade de valor, reivindicará o ponto de vista do ouriço.

Dworkin defende que o valor, em todas as suas formas, é uma coisa muito importante; afirma que aquilo que a verdade é, o que a vida significa, o que a moral requer e o que a justiça exige são aspetos diferentes da mesma grande questão. Dworkin desenvolve teorias originais sobre uma grande diversidade de temas raramente abordados no mesmo livro: entre muitos outros tópicos, fala de ceticismo moral, interpretação literária, artística e histórica, livre-arbítrio, antiga teoria moral, ser bom e viver bem, liberdade, igualdade e lei. Aquilo que pensamos sobre cada um destes temas tem de valer para qualquer argumento que consideremos convincente sobre os outros.
O ceticismo, em todas as suas formas – filosófica, cínica ou pós-moderna –, ameaça esta unidade.

Qualquer teoria que sustente abertamente visões substantivas de valores sociais será facilmente desmontada pelas razões céticas das raposas, que as colocarão em perspectiva histórica para demonstrar que ao longo dos séculos muitas coisas foram ditas sobre a verdade intangível dos valores, mas que nenhuma delas se verificou como universal.

A afirmação sobre conteúdos morais objetivos consegue atingir no máximo o consenso sobre algumas palavras bem abrangentes como liberdade, igualdade e, destacadamente, dignidade, mas qualquer tentativa de estabelecer os seus significados é solapada pela variabilidade de sentidos subjetivos que não podem ser desconsiderados. Justamente por isso, a tese da unidade de valor defendida e articulada com preenchimentos e com posições bem demarcadas só se faz viável pela adoção da postura de ouriço.

Na Grécia, já se fazia a distinção entre as normas fundamentais da sociedade (nomoi), obrigatoriamente aceitas e as meras regras (psefismata), socialmente aceitas pelo povo, posto que dele derivam. Naquela civilização, a modificação de psefismata poderia ser feita de forma mais simples do que a alteração das normas fundamentais (nomos). Guardadas as devidas proporções, seriam institutos parecidos com a lei ordinária e as emendas constitucionais, atualmente.

E quem é o ouriço nessa estoria, para além do próprio Dworkin que se assume como tal, chegar-se-á a ninguém mais que o cidadão comum. Os ouriços são os que integram uma sociedade e a veem por dentro, que sabem que nessa sociedade existem valores e vivem com base nesse entendimento.

Embora não possam, os “ouriços”, responder o que sejam os valores, ou onde eles estão, se indagados, saberão proferir algumas ideias coerentes sobre quais sejam esses valores. Com discordâncias de pontos de vista, ou com mudanças de pontos de vista, tudo isso fará parte do processo pelo qual, quando se fala responsavelmente em valores, pode-se estar certo ou errado.

E quem diz o que está certo e o que está errado?! Logicamente que é o Direito!
E o que é o Direito?

Na busca de uma definição para o Direito, chegou-se a um consenso, de que a norma jurídica, em si, como profeira Bobbio, não é suficiente para defini-lo, sendo, portanto, necessária a perspectiva do ordenamento jurídico para fazê-lo.
O termo direito, para o autor, na acepção do direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo e não um tipo de norma. Diz respeito, pois, a um dado tipo de ordenamento, cujo significado geral seria um verdadeiro “conjunto de normas”. Estas, por sua vez, podem ser de três tipos: as que permitem determinada conduta, as que proíbem e as que obrigam determinada conduta, donde conclui pela impossibilidade fática de existência de um ordenamento jurídico composto por uma norma apenas.
O Direito é um sistema complexo e sua complexidade deriva do ordenamento jurídico, e este deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta numa sociedade ser tão grande que não existe nenhum poder, órgão ou instituição em condições de satisfazê-la sozinho, e mesmo estas só existem dentro de ordenamento jurídico, portanto, há uma verdadeira multiplicidade das fontes das quais afluem regras de conduta. O Ordenamento Jurídico é o ambiente onde a norma jurídica faz seu efeito ser sentido, este ambiente nasce da articulação das três dimensões: fato, norma e valor. A complexidade da realidade jurídica pode ser melhor apreendida se juntarmos três ciências para compreendê-la: Sociologia do direito (fato), Teoria do Direito (norma) e por último a mais teleológica, a Filosofia do Direito (valor)
No sentido de apreender a norma, o positivismo como ‘ideologia’ migra da Filosofia e prega a obrigação moral de se obedecer ao direito positivo, qualquer que seja o seu conteúdo. Essa corrente sustenta que as normas, desde que legais e formalmente válidas, têm força obrigatória. Isso significa que os juízes e sujeitos jurídicos devem a elas se submeter, independentemente de seu conteúdo e isto é muito complexo.

Bobbio diz que a complexidade do ordenamento, não exclui a sua unidade, que, segundo a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, proposta por Kelsen, é alcançada através da chamada “norma fundamental”, ou seja, aquela suprema, que não depende de nenhuma norma superior, e sobre a qual repousa toda a unidade do ordenamento.
Relativamente à validade das normas jurídicas, Bobbio considera válida a norma que pertence a um ordenamento, concluindo que uma norma é válida quando puder ser reinserida, não importa se através de um ou mais graus, na norma fundamental.
A norma fundamental é, portanto, simultaneamente, o fundamento de validade e o princípio unificador das normas de um ordenamento. O nascimento da norma fundamental e tomada com unidade mínima do Direito, é um fenômeno jurídico social.
O fenômeno jurídico que emerge da realidade ou ambiente do Direito, que como coloca Bobbio surge do entrelaçamento de sua três dimensões, revela-se como fruto da sociabilidade humana. Por isso, exsurge como uma realidade que precisa ser compreendida, aceita e aplicada, de forma a legitimar o poder sem macular o sistema. Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior “compreender o direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a conceituações lógicas e racionalmente sistematizadas. O encontro com o direito é diversificado, às vezes conflitivo e incoerente, às vezes linear e consequente. Estudar o direito é, assim, uma atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência, preparo, mas também encantamento, intuição, espontaneidade.”
Com vistas a buscar completude, procura-se uma ordenação sistemática, mas ocorre que a dogmática não trabalha com conceitos de uma mesma natureza, pois há conceitos empíricos, genéricos, referentes a objetos e a diversas situações da vida, e isso foi que levou Kelsen a reduzir os fenômenos jurídicos a uma dimensão normativa. Para ele, a norma jurídica é colocada no centro do direito, cuja finalidade seria descrever o significado objetivo que ela confere ao comportamento. O foco era reduzir os fenômenos jurídicos a uma visão exclusivamente normativa, ordenando-os de modo coerente, distinguindo o ser do dever-ser, que é a sua natureza.




segunda-feira, 10 de abril de 2017

Resumo da obra “Cultura: Um Conceito Antropológico” de Roque de Barros Laraia.



Texto base:

Resumo da obra “Cultura: Um Conceito Antropológico” de Roque de Barros Laraia.


LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico, 21º edição. Zahar: Rio de Janeiro, 2007.


Sumário:
Primeira Parte - Da Natureza da Cultura ou da Natureza à Cultura
1. O determinismo biológico
2. O determinismo geográfico
3. Antecedentes histórico do conceito de cultura
4. O Desenvolvimento do conceito de cultura
5. Ideia sobre o conceito de cultura
6. Teorias modernas sobre cultura

Segunda Parte
1. A Cultura condiciona a visão de mundo do homem
2. A Cultura interfere no plano biológico
3. Os indivíduos participam diferentemente de suas culturas
4. A cultura tem uma lógica própria
5. A cultura é dinâmica
Anexo 1 - Uma experiência absurda
Anexo 2 - A difusão da cultura


A Antropologia, principalmente na abordagem dos fenômenos culturais, tem-se mostrado uma ferramenta importante para o trabalho teológico, tanto na formulação conceitual da teologia, quanto na práxis desses conceitos, principalmente quando tratamos da missiologia e a inserção dessa no contexto transcultural. E quando digo contexto transcultural penso tanto na vivência missionária em lugares e culturas distantes e bastante diferentes da nossa, como na missão feita nos púlpitos, praças e ruas no meio urbano, que pode se deparar, também, com uma infinita variedade cultural. Por isso, como um incentivo ao estudo e diálogo da Teologia com a Antropologia, quero com essa resenha despertar o interesse dos meus leitores pela abordagem cultural oferecida pela Antropologia e levar, aos que estudam a Teologia e fazem missão, a enveredarem-se no saboroso e enriquecedor diálogo interdisciplinar.
O livro de LARAIA é introdutório e, como todo bom trabalho acadêmico, não apresenta qualquer juízo de valor. O autor é professor titular da Universidade de Brasília e domina como ninguém o tema que se propõem a escrever, tanto que consegue sintetizar em poucas páginas um arcabouço teórico construído no decorrer de séculos por inúmeros pensadores e pesquisadores do campo da Antropologia.
A pequena brochura de LARAIA pretende traçar uma apresentação introdutória ao conceito antropológico de cultura num texto didático, claro e simples (p. 07). O tema é tratado no livro em duas partes. A primeira parte apresenta a herança teórica do conceito de cultura até os autores contemporâneos. A segunda parte aborda a influência que a cultura exerce no comportamento social e como produz, mesmo diante da constatação de unidade biológica, a diversidade nas sociedades humanas. 


Da natureza da cultura ou da natureza à cultura

Para iniciar as discussões, Laraia faz um breve histórico sobre o desenvolvimento do conceito de cultura. Para isso, cita Heródoto, que considerava os costumes dos lícios diferentes de "todas as outras nações do mundo", onde este estava tomando como referência a sua própria sociedade patrilinear, agindo de uma maneira etnocêntrica, embora ele tenha teoricamente renegado esta postura.

O padre José de Anchieta (1534-1597), ao contrário de Heródoto, se surpreendeu com os costumes patrilineares dos índios Tupinambá e escreveu aos seus superiores:

Porque têm para si que o parentesco verdadeiro vem pela parte dos pais, que são agentes; e que as mães não são mais que uns sacos, em respeito dos pais, em que se criam as crianças, e por esta causa os filhos dos pais, posto que sejam havidos de escravas e contrárias cativas, são sempre livres e tão estimados como os outros (p12)”.

Laraia faz referência também a Montaigne (1533-1572), que procurou não se espantar em demasia com os costumes dos Tupinambás, afirmando não ver nada de bárbaro ou selvagem no que diziam a respeito deles, porque na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. E assim comentou a antropofagia dos Tupinambás: “Não me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade, mas que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos”.

Assim, desde a Antiguidade, foram comuns as tentativas de explicar as diferenças de comportamento entre os homens, a partir das variações dos ambientes físicos. Como o fez Marcus V. Pollio, arquiteto romano, quando afirmou enfaticamente que
os povos do sul têm uma inteligência aguda, devido à raridade da atmosfera e ao calor; enquanto os das nações do Norte, tendo se desenvolvido numa atmosfera densa e esfriados pelos vapores dos ares carregados, têm uma inteligência preguiçosas”.).

Contudo, explicações deste gênero não foram suficientes para resolver o dilema proposto, tanto é que D'Holbach replicava em 1774: “Será que o sol que brilhou para os livres gregos e romanos emite hoje raios diferentes sobre os seus degenerados descendentes?”.

A isso Laraia responde dizendo que para constatar a existência dessas diferenças não é necessário retornar ao passado, nem mesmo empreender uma difícil viagem a um grupo indígena, localizado nos confins da floresta amazônica ou em uma distante ilha do Pacifico. Basta comparar os costumes de nossos contemporâneos que vivem no chamado mundo civilizado.

Enfim, conclui Laraia, as diferenças de comportamento entre os homens não podem ser explicadas através das diversidades somatológicas ou mesológicas. Tanto o determinismo geográfico como o determinismo biológico, foram incapazes de resolver o dilema proposto, a conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana.


PRIMEIRA PARTE
No princípio da primeira parte, o autor mostra a preocupação de estudiosos em relação a outros povos e compara as várias visões desses pesquisadores de diferentes épocas, embora introduza a premissa de que são insuficientes as explicações do determinismo biológico e geográfico para elucidar o comportamento de tais povos, como afirmavam alguns desses estudiosos.
A discussão sobre as perspectivas do determinismo biológico como fator preponderante na formação e concepção da diversidade cultural. O autor apresenta razões que levam a conclusão de que essa perspectiva é equivocada, uma vez que, mesmo havendo diferenças determinadas biologicamente, como a de sexo, por exemplo, a antropologia tem comprovado que atividades atribuídas à mulher em uma dada cultura podem ser atribuídas ao homem em outra (p. 19). Portanto, o comportamento de uma pessoa pode ser atribuído ao seu aprendizado, que o autor chama de um processo de endoculturação.

1. O Determinismo Biológico

Para Laraia, são velhas e persistentes as teorias que atribuem capacidades específicas inatas a "raças" ou a outros grupos humanos. Contudo, os antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças culturais. Segundo Felix Keesing,
"não existe correlação significativa entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos culturais. Qualquer criança humana normal pode ser educada em qualquer cultura, se for colocada desde o início em situação conveniente de aprendizado".

Nesse sentido, enfatiza Laraia, o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação. Um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada.

No primeiro capítulo, o autor deixa claro que compartilha do pensamento de que as diferenças genéticas/somáticas não determinam diferenças culturais, isto é, que o determinismo biológico não influencia o aprendizado e o engendramento de determinada cultura, processo denominado pelo autor como endoculturação.
2. O Determinismo Geográfico

O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. Estas teorias, que foram desenvolvidas principalmente por geógrafos no final do século XIX e no início do século XX, ganharam uma grande popularidade. Como Huntington, em seu livro Civilization and Climate (1915), no qual formula uma relação entre a latitude e os centros de civilização, considerando o clima como um fator importante na dinâmica do progresso.

A partir de 1920, antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre outros, refutaram este tipo de determinismo e demonstraram que existe uma limitação na influência geográfica sobre os fatores culturais. E mais: que é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico.

Nesse sentido, Laraia diz que não é possível admitir a idéia do determinismo geográfico, ou seja, a admissão da "ação mecânica das forças naturais sobre uma humanidade puramente receptiva". A posição da moderna antropologia é que a "cultura age seletivamente", e não casualmente, sobre seu meio ambiente, "explorando determinadas possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura".

Por conseguinte, continua Laraia, as diferenças existentes entre os homens não podem ser explicadas em termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas próprias limitações.

A mesma linha de refutação é encontrada no segundo capítulo em relação ao determinismo geográfico, que hipoteticamente influenciaria a cultura dos povos, por se encontrarem em espaços físicos diferentes. O autor defende que a cultura age seletivamente e não casualmente e que através de centenas de estudos sobre vários povos, foi possível constatar que mesmo nos mesmos ambientes, haviam culturas diferentes e que existiam culturas bastante semelhantes em espaços físicos diferentes.


3. Antecedentes históricos do conceito de cultura

O conceito de Cultura - todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade - foi definido pela primeira vez por Edward Tylor (1832-1917).

Já em 1690, John Locke (1632-1704), ao escrever Ensaio acerca do entendimento humano, procurou demonstrar que a mente humana não é mais do que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada apenas da capacidade ilimitada de obter conhecimento, através de um processo que hoje chamamos de endoculturação.

Em referência a John Locke, Laraia cita o antropólogo americano Marvin Harris (1969) que expressa bem as implicações da obra de Locke para a época: “nenhuma ordem social é baseada em verdades inatas, uma mudança no ambiente resulta numa mudança no comportamento”.

Para Jacques Turgot (1727-1781), o homem é capaz de assegurar a retenção de suas idéias eruditas, comunicá-las para outros homens e transmiti-las para os seus descendentes como uma herança sempre crescente.

Jean Jacques Rousseau (1712-1778), seguiu os passos de Locke e de Turgot ao atribuir um grande papel à educação, chegando mesmo ao exagero de acreditar que esse processo teria a possibilidade de completar a transição entre os grandes macacos (chimpanzé, gorila e orangotango) e os homens.

Em 1950 Kroeber escreveu que "a maior realização da Antropologia na primeira metade do século XX foi a ampliação e a clarificação do conceito de cultura".

Laraia faz a ressalva, no entanto, de que as centenas de definições formuladas após Tylor serviram mais para estabelecer uma confusão do que ampliar os limites do conceito. Tanto é que, em 1973, Geertz escreveu que o tema mais importante da moderna teoria antropológica era o de "diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente".

Nesse sentido, continua Laraia, no período que decorreu entre Tylor e a afirmação de Kroeber, em 1950, o monumento teórico que se destacava pela sua excessiva simplicidade, construído a partir de uma visão da natureza humana, elaborada no período iluminista, foi destruído pelas tentativas posteriores de clarificação do conceito. Por conseguinte, a reconstrução deste momento conceitual, a partir de uma diversidade de fragmentos teóricos, é uma das tarefas primordiais da antropologia moderna.
Já no terceiro capítulo da obra, o autor começa a discorrer da historicidade do conceito de cultura, dando continuidade após ter se referido a mesma no final do segundo capítulo como fator de diferenciação da espécie humana em relação às demais. O autor recorre, como ponto crucial, à definição de cultura proposta por Edward Tylor como sendo o “complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e quaisquer outros hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” , (LARAIA, 2001, Pág. 25), aludindo que tal conceito é uma síntese de vários pensamentos com a mesma linha ideológica, os quais se desenvolveram em vários estudos como os de John Locke, Turgot, Rousseau, autores que tentavam quebrar o raciocínio da relação entre natural e cultural, como domínios que se interagem diretamente. Em seguida, o autor trata das tentativas posteriores de clarificar o conceito de cultura proposto por Tylor, bem como a definição dos limites desse conceito, o que chegou paradoxalmente a provocar uma confusão da conceituação e a sua desconstrução.


4. O desenvolvimento do conceito de cultura

Ao falar sobre os conceitos de cultura, Laraia, diz que para entender Tylor, é necessário compreender a época em que viveu e conseqüentemente o seu fundo intelectual. Pois o livro de Tylor foi produzido nos anos em que a Europa sofria o impacto da Origem das Espécies, de Charles Darwin, e que a nascente antropologia foi dominada pela estreita perspectiva do evolucionismo unilinear.

Por detrás de cada um destes estudos predominava, então, a ideia de que a cultura desenvolve-se de maneira uniforme, de tal forma que era de se esperar que cada sociedade percorresse as etapas que já tinham sido percorridas pelas "sociedades mais avançadas". Desta maneira era fácil estabelecer uma escala evolutiva que não deixava de ser um processo discriminatório, através do qual as diferentes sociedades humanas eram classificadas hierarquicamente, com nítida vantagem para as culturas europeias. Etnocentrismo e ciência marchavam então de mãos juntas.

A principal reação a essa corrente evolucionista, então denominada método comparativo, inicia-se com Franz Boas (1858-1949). Ele propôs, em lugar do método comparativo puro e simples, a comparação dos resultados obtidos através dos estudos históricos das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e dos meios ambientes. Em outras palavras, Boas desenvolveu o particularismo histórico (ou a chamada Escola Cultural Americana), segundo a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. A partir daí a explicação evolucionista da cultura só tem sentido quando ocorre em termos de uma abordagem multilinear.

Continuando as discussões, Laraia cita as principais contribuições de Alfred Kroeber (1876-1960), para a ampliação do conceito de cultura, dizendo que a cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações. Nesse sentido, o homem age de acordo com os seus padrões culturais. Além disso, o homem consegue adaptar-se aos ambientes biológicos, por isso foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu habitat. Assim, a cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo.

Assim sendo, conclui Laraia, ao referir-se ao instinto humano, a comunicação é um processo cultural. Mais explicitamente, a linguagem humana é um produto da cultura, mas não existiria cultura se o homem não tivesse a possibilidade de desenvolver um sistema articulado de comunicação oral.
No quarto capítulo, o autor expõe a visão de Tylor sobre o campo da Antropologia Cultural equiparado às ciências naturais, isto é, segundo ele, de acordo com o estudo das culturas, pode-se verificar que esta também possui leis e características de ordem natural, organizadas e embasadas em alicerces elementares, como por exemplo, a "unidade psíquica da humanidade". Nesse contexto, Tylor defende que a Antropologia Cultural tem um objeto de estudo científico, assim como as demais ciências. A grande diversidade de culturas então seria explicada pelo grau desigual do processo de evolução, mas que mesmo assim apresentariam semelhantes características essenciais. Tais conclusões seriam descobertas através de uma análise comparativa histórica, levando-se em consideração os efeitos das condições psicológicas e meios ambientes, método mais tarde chamado de "particularismo histórico" por Boas.
Ainda no mesmo capítulo, o autor expõe as idéias de Kroeber e sua visão do ser humano como único ser capaz de criar seu próprio processo evolutivo, ao "superar o orgânico". Segundo Krober, ao invés de mudar o aparato biológico, a cultura é que seria adaptada aos diferentes ambientes ecológicos. Desse modo, o ser humano foi capaz de perpertuar a espécie ao longo dos anos e transformar todo o planeta Terra em seu habitat. Através da endoculturação, o homem aprende a romper as barreiras das diferenças ambientais e a dar vazão à criação. Assim, cada cultura tem o "gênio" que é capaz de produzir de acordo com suas possibilidades e necessidades. Nessa conjuntura, o autor então passa a refutar temas como os instintos humanos e supervaloriza o processo de comunicação como base para o desenvolvimento da cultura.


5. Ideia sobre a origem da cultura

Laraia apresenta o pensamento de diversos autores sobre a origem da cultura, explicações de natureza física e social. Como Claude Lévi-Strauss, que considera que a cultura surgiu no momento em que o homem convencionou a primeira regra, a primeira norma.

Para alguns pensadores católicos, preocupados com a conciliação entre a doutrina e a ciência, o homem adquiriu cultura no momento em que recebeu do Criador uma alma imortal. E esta somente foi atribuída ao primata no momento em que a Divindade considerou que o corpo do mesmo tinha evoluído organicamente o suficiente para tornar-se digno de uma alma e, conseqüentemente, de cultura.

Por fim, Laraia conclui dizendo que a cultura desenvolveu-se simultaneamente com o próprio equipamento biológico e é, por isso mesmo, compreendida como uma das características da espécie, ao lado do bipedismo e de um adequado volume cerebral. Em outras palavras, a cultura desenvolveu-se simultaneamente com o equipamento fisiológico do homem.
Já no quinto capítulo da obra, o autor começa a problematizar a origem da cultura como parte unicamente do ser humano. Nesse ponto, expõe algumas teorias, como a de Leackey e Lewin e o desenvolvimento da visão eteroscópia, bem como a capacidade de pegar os objetos com as mãos (fatores resultantes de uma vida arborícola); a de Pilebam e o bipedismo; Oakley e o desenvolvimento de um cérebro mais volumoso e complexo; Lévi-Strauss e a teoria da invenção da primeira norma; White e a elaboração dos símbolos; Ao final, o autor critica que tais teorias induzem a um aparecimento espontâneo do início da cultura, sendo partidário de que o aparecimento da cultura se deu contínua e lentamente, juntamente com o próprio equipamento biológico.


6. Teorias modernas sobre cultura

Laraia procura sintetizar os principais esforços da antropologia moderna na reconstrução do conceito de cultura. Para isso, utiliza o esquema elaborado pelo antropólogo Roger Keesing em seu artigo "Theories of Culture", no qual classifica as tentativas modernas de obter uma precisão conceitual.

Keesing refere-se, inicialmente, às teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo. Difundida por neo-evolucionistas como Leslie White. Em segundo lugar, faz referência às teorias idealistas de cultura, que subdivide em três diferentes abordagens. A primeira delas é a dos que consideram cultura como sistema cognitivo, produto dos chamados "novos etnógrafos".

A segunda abordagem é aquela que considera cultura como sistemas estruturais, ou seja, a perspectiva desenvolvida por Claude Lévi-Strauss, "que define cultura como um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana. A última das três abordagens, entre as teorias idealistas, é a que considera cultura como sistemas simbólicos. Esta posição foi desenvolvida nos Estados Unidos principalmente por dois antropólogos: o já conhecido Clifford Geertz e David Schneider.

Para Geertz, todos os homens são geneticamente aptos para receber um programa, e este programa é o que chamamos de cultura. Geertz considera ainda que a antropologia busca interpretações. Com isto, ele abandona o otimismo de Goodenough que pretende captar o código cultural em uma gramática; ou a pretensão de Lévi-Strauss em decodificá-lo.

Laraia, parafraseando Murdock (1932) conclui: "Os antropólogos sabem de fato o que é cultura, mas divergem na maneira de exteriorizar este conhecimento".

As teorias modernas com a missão de restabelecer o conceito de cultura são explanadas no sexto capítulo da obra. O autor se vale do esquema proposto por Keesing, que divide as teorias em dois grandes grupos: as que tratam da cultura como sistema adaptativo (cultura como sistemas de padrões de comportamento socialmente transmitidos, analogia entre mudança cultural e seleção natural, tecnologia e economia de subsistência como bases e reguladores da cultura); e as teorias idealistas de cultura (cultura como sistema cognitivo, como sistemas estruturais, como sistemas simbólicos). O autor finaliza com a idéia de que delimitar o conceito de cultura é conhecer a própria natureza humana, revelando, pois, uma tarefa de perene reflexão humana.


SEGUNDA PARTE


Como opera a cultura


1. A cultura condiciona a visão de mundo do homem

Laraia salienta o fato de que quando o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.

Assim, continua Laraia, a dicotomia "nós e os outros" expressa em níveis diferentes essa tendência. Dentro de uma mesma sociedade, a divisão ocorre sob a forma de parentes e não-parentes. Os primeiros são melhores por definição e recebem um tratamento diferenciado. A projeção desta dicotomia para o plano extragrupal resulta nas manifestações nacionalistas ou formas mais extremadas de xenofobia.


O capítulo inicial da segunda parte traz diversos exemplos de como o ser humano, em decorrência da cultura, pode ter comportamentos diferentes, possuindo o mesmo aparato biológico. A princípio, alguns comportamentos fisiológicos básicos deveriam ser iguais por questões somáticas, como acontecem com os outros seres vivos, mas apresentam grandes diferenças em determinadas culturas, em decorrência do próprio processo de endoculturação, como por exemplo o riso, a sexualidade, o parto, o modo de comer, a própria comida e a visão do espaço.


2. A cultura interfere no plano biológico

Na discussão sobre a atuação da cultura sobre o biológico, Laraia refere-se ao campo das doenças psicossomáticas, dizendo que estas são fortemente influenciadas pelos padrões culturais. Muitos brasileiros, por exemplo, dizem padecer de doenças do fígado, embora grande parte dos mesmos ignorem até a localização do órgão. Entre nós são também comuns os sintomas de mal-estar provocados pela ingestão combinada de alimentos. Quem acredita que o leite e a manga constituem uma combinação perigosa, certamente sentirá um forte incômodo estomacal se ingerir simultaneamente esses alimentos.

Assim, Laraia, diz que a cultura também é capaz de provocar curas de doenças, reais ou imaginárias. Estas curas ocorrem quando existe a fé do doente na eficácia do remédio ou no poder dos agentes culturais.


O segundo capítulo abrange a influência da cultura em questões biológicas mais complexas, determinantes de saúde e de sobrevivência. Exemplos como perda de referências culturais (apatia), crenças, saudades e outros fatores podem interferir no plano biológico dos seres humanos e comprometer seu funcionamento somático equilibrado, levando-os muitas vezes à morte. Já em outros casos, as crenças e hábitos podem ser capazes de curar, restabelecendo o bom funcionamento biológico dos seres humanos. Talvez este seja o capítulo mais interessante da obra, pois revela como determinada cultura é capaz de transpassar barreiras somáticas através do processamento psicológico e solucionar problemas biológicos que em outras culturas pode não ser eficaz.


3. Os indivíduos participam diferentemente de sua cultura

Laraia começa por afirmar que a participação do indivíduo em sua cultura é sempre limitada; nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os elementos de sua cultura.

Ainda segundo o autor, qualquer que seja a sociedade, não existe a possibilidade de um indivíduo dominar todos os aspectos de sua cultura. Isto porque, como afirmou Marion Levy Jr., "nenhum sistema de socialização é idealmente perfeito, em nenhuma sociedade são todos os indivíduos igualmente bem socializados, e ninguém é perfeitamente socializado. Um indivíduo não pode ser igualmente familiarizado com todos os aspectos de sua sociedade; pelo contrário, ele pode permanecer completamente ignorante a respeito de alguns aspectos".

Assim, conclui Laraia, o importante, porém, é que deve existir um mínimo de participação do indivíduo na pauta de conhecimento da cultura a fim de permitir a sua articulação com os demais membros da sociedade.


No capítulo seguinte, o autor demonstra que a participação de um indivíduo em sua cultura é limitada e diversa. Tanto as limitações como as participações do indivíduo em sua própria cultura podem ser determinadas por diferentes fatores como por exemplo o sexo, a idade e costumes. Mais do que isso, esses fatores também podem diversificar e limitar papéis de maneira diferente em outras culturas, isto é, papéis desempenhados por determinados indivíduos de uma cultura podem ser desempenhados por outros em outra cultura. O autor ainda acrescenta que nenhum indivíduo é capaz e compreender o seu sistema cultural, mas que é necessário conhecer e englobar para si o essencial do mesmo para que se identifique e possa viver em harmonia consigo e com os demais.


4. A cultura tem uma lógica própria

Segundo o autor, todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema para outro. Infelizmente, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo. Nesse sentido, a coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence. Consequentemente, as explicações encontradas pelos membros das diversas sociedades humanas, portanto, são lógicas e encontram a sua coerência dentro do próprio sistema.

Por conseguinte, conclui Laraia, entender a lógica de um sistema cultural depende da compreensão das categorias constituídas pelo mesmo. Como categorias entendemos, como Mauss, "esses princípios de juízos e raciocínios constantemente presentes na linguagem, sem que estejam necessariamente explícitas, elas existem ordinariamente, sobretudo sob a forma de hábitos diretrizes da consciência, elas próprias inconscientes”.


O quarto capítulo dedica-se a explicar os princípios de juízos e raciocínios de cada cultura como sendo lógicos, por mais que pareçam ilógicos para as outras culturas. Acaba por tratar de que todas as culturas possuem a sua lógica Isto porque, nas palavras do autor, “Muito do que supomos ser uma ordem inerente da natureza não passa, na verdade, de uma ordenação que é fruto de um procedimento cultural, mas que nada tem a ver com uma ordem objetiva.” (LARAIA, 2001, Pág. 89). Assim, a compreensão do mundo em cada cultura é lógica.


5. A cultura é dinâmica

Para Laraia existem dois tipos de mudança cultural: uma que é interna, resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado do contato de um sistema cultural com um outro.

No primeiro caso, a mudança pode ser lenta, quase impercebível para o observador que não tenha o suporte de bons dados diacrônicos. O ritmo, porém, pode ser alterado por eventos históricos tais como uma catástrofe, uma grande inovação tecnológica ou uma dramática situação de contato. O segundo caso pode ser mais rápido e brusco.

Para Laraia, como a cultura tem um caráter dinâmico, este segundo tipo de mudança, além de ser o mais estudado, é o mais atuante na maior parte das sociedades humanas. Pois é praticamente impossível imaginar a existência de um sistema cultural que seja afetado apenas pela mudança interna.

Assim, conclui Laraia, cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir.


A característica do dinamismo da cultura é tratada no capítulo quinto, tendo como causa principal a capacidade que tem o ser humano de questionar os seus próprios hábitos e modificá-los. Em outras palavras, a cultura é sempre alterada de forma mais rápida ou mais lenta, dependendo de cada cultura, isto porque o ser humano é capaz de rever SUS princípios e sempre busca uma forma de aperfeiçoá-los ou transformá-los. O autor ainda alude a dois tipos de mudança cultural: a interna ( resultante de uma catástrofe,  inovação tecnológica ou uma dramática situação de contato); e a resultante do contato de um sistema cultural com um outro.
Ao afirmar que todas as culturas estão sempre em constante mudança, o autor demonstra a importância de se entender tal processo, já que se poderá ser mais tolerável aos novos comportamentos e, além disso, com os comportamentos de outras culturas.

Cultura: um conceito antropológico, de Roque Laraia mostra ao leitor de forma clara e simples as discussões sobre a construção do conceito de cultura.

O livro divide-se me duas partes: a primeira, que se refere ao desenvolvimento do conceito de cultura a partir das manifestações iluministas até os autores modernos; a segunda demonstra como a cultura influencia no comportamento social e diversifica a humanidade, apesar de sua comprovada unidade biológica.

Onde o autor faz citações de Confúcio e Heródoto, que muitos séculos antes de Cristo já se preocupavam com os modos de comportamentos existentes entre os povos. Que o autor procura explicar dando-nos exemplos de várias sociedades e cada uma delas com diferentes comportamentos entre os homens que não podem ser explicados através das diversidades somalógicas e mesológicas.

Para Laraia, nem o determinismo geográfico, nem o biológico foram capazes de solucionar os problemas com as diferenças entre os homens. O que mostra que qualquer criança pode ser educada em qualquer cultura, desde que seja colocada em situação conveniente de aprendizado. E fala também, que pode existir uma grande diversidade cultural dentro de uma mesma cultura.

Segundo Laraia, Edward Tylor será o primeiro a definir cultura a partir de um ponto de vista antropológico. Entretanto, as definições formuladas após Tylon serviram mais para estabelecer confusão do que esclarecer limites de conceitos.

Na epistemologia da cultura Laraia busca interpretar em diversos autores, como Lévi-Straus, que convencionou a primeira regra, a primeira norma como o início da cultura; e White, que diz que a passagem do estado animal para o humano ocorreu quando o cérebro foi capaz de gerar símbolos.

O autor discorre como os indivíduos de culturas diferentes vêem o mundo de maneira diferente. Fazendo ressalvas para a tendência denominada de etnocentrismo, que é responsável por inúmeros conflitos por uma cultura pensar que é melhor que a outra. Por fim, Laraia diz que se viver em qualquer cultura é necessário conhecer o mínimo dela.



CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra refuta veemente as correntes do determinismo biológico e geográfico como determinantes da cultura de um povo, e convence através de estudos empíricos e análises históricas (método defendido pelo autor) de que a cultura pode se desenvolver das mais variadas (e semelhantes) formas possíveis em qualquer lugar do mundo, sejam eles próximos ou longínquos .
A cultura é então vista como algo intrínseco ao ser humano, tendo vista que é um ser social. Não existe ser humano sem cultura,  e todos eles são capazes de aprender qualquer cultura, não importando sua raça ou origem. A cultura é tida como diretriz e formadora da visão de mundo de um indivíduo, que sem ela adoece, morre, como quando acometido de uma doença ou quando um órgão essencial para de funcionar adequadamente. E através dela que muitas vezes se curam e ‘e em nome dela que vivem, que se organizam e que buscam.
Não existe cultura superior à outra, nem mais desenvolvida, nem mais lógica. Todas elas possuem seus princípios válidos para seus respectivos indivíduos. Antes de tudo, todas as culturas têm o mesmo valor.   As culturas são responsáveis pelo o homem ser capaz de transpassar os anos, sem a necessidade de modificarem-se somaticamente para resistirem às mudanças ecológicas. E por mais diversas que possam ser, todas obedecem regras elementares e genéricas, que podem ser estudadas com seriedade e cientificidade, para que se possa compreender a maior característica do ser humano, numa tentativa de se conviver pacifica e harmoniosamente.


Resumo Geral
O livro de Laraia é dividido em duas partes. A primeira delas trata sobre o desenvolvimento do conceito de cultura, enquanto a segunda, sobre as formas pelas quais a cultura influencia o comportamento social e diversifica a humanidade.
Logo no início do texto, Laraia aponta dois dos maiores equívocos que rondavam – e, poder-se-ia dizer, ainda rondam – o conceito de cultura em Antropologia: os determinismos geográficos e biológicos. Tais teses, hoje abandonadas pela grande maioria dos antropólogos e cientistas sociais, sustentam que as características geográficas ou biológicas – leia-se raciais ou étnicas – seriam responsáveis pelas diferenças culturais entre os diversos povos. Laraia apresenta uma série de colocações que desmentem tais teses, como por exemplo, o argumento de que existem diferenças culturais significativas em relação a povos estabelecidos em condições geográficas similares. Um exemplo de concepção pautada no determinismo geográfico é aquela que considera o clima como um elemento determinante do progresso de um povo – enquanto povos residentes em climas frios seriam mais suscetíveis ao progresso, aqueles residentes em climas quentes estariam em condição desfavorável em função do calor que os tornaria preguiçosos e passionais. O raciocínio do determinismo biológico funciona da mesma maneira: as diferenças culturais seriam explicadas em função da genética de cada povo. Neste sentido, Laraia cita muito pertinentemente uma declaração da Unesco, datada de 1950 - e portanto, após o genocídio praticado pelo nazismo em direção àqueles que seriam considerados geneticamente inferiores – a fim de sustentar que as diferenças entre os povos se deve á história cultural de cada grupo, e não da sua genética. Daí que “o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo de chamamos de endoculturação” . A endoculturação seria o processo de diferenciação entre os povos, incorrendo na formação de culturas diferentes.
A seguir, o autor mostra como foi surgindo e sendo delineado o conceito de cultura – desde os antecedentes históricos da definição do conceito, como Locke que postulava a mente humana como “tabula rasa”, passando pela definição clássica de Tylor, a primeira definição de cultura do ponto de vista antropológico, ainda com uma perspectiva evolucionista segundo a qual haveria uma “escala de civilização” de onde se definiria o progresso cultural. Tal perspectiva foi reproduzida na Antropologia com grande ênfase, graças à influência dos estudos de Charles Darwin, em A origem das espécies. O evolucionismo começa a ser superado a partir dos estudos do alemão Franz Boas, que, radicado nos EUA, desenvolve o Particularismo Histórico (ou Escola Cultural Americana), “segundo a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou” . O antropólogo americano Kroeber complementa esta definição, afirmando que cada cultura é o meio de adaptação do homem em relação aos diversos ambientes ecológicos, de modo que não é o aparato biológico que determina a cultura; ao contrário, a adaptação é que exige mudanças em seu “equipamento superorgânico”. Laraia volta a este ponto mais à frente, quando trata da questão de como a cultura influencia o aparato biológico humano.
O autor também chama atenção para o fato de que o surgimento da cultura depende de um sistema articulado de comunicação, sem o qual seria impossível a transmissão cultural, considerando que a cultura é um processo de acúmulo de experiências diversas transmitidas pela comunicação.
A seguir, o autor discorre sobre as origens da cultura, apresentando algumas breves explicações de paleontologia humana, que destacam o desenvolvimento do bipedismo, o da habilidade manual e do cérebro como condições sine qua non para o surgimento da cultura. Também ganham enlevo as teses do antropólogo francês Lévi-Strauss, para quem a cultura surge com a primeira norma – a proibição do incesto – e do americano Leslie White, que associa a cultura à capacidade especificamente humana de gerar símbolos. Laraia também chama a atenção para o fato de que algumas destas teorias parecem supor que a cultura teria surgido de forma súbita, o que constitui um ponto de crítica para o autor, pois “a natureza não age por saltos” , o que leva Laraia a concluir, em seu texto, que a cultura se desenvolve gradual e ao mesmo tempo simultaneamente ao desenvolvimento do equipamento biológico.
Ao fim da primeira parte do livro, Laraia expõe algumas das mais importantes teorias modernas sobre a cultura, com base no artigo Theories of Culture, do antropólogo americano Roger Keesing. Este artigo divide as concepções de cultura em dois grupos: as que a consideram como um sistema adaptativo (linha evolucionista), e as teorias idealistas sobre a cultura, divididas em três outros grupos. O primeiro deles é aquele que considera a cultura como um sistema cognitivo (antropologia cognitiva); o segundo como um sistema estruturalista (caso de Lévi-Estrauss) e o terceiro, como um sistema simbólico (tendência esta desenvolvida nos EUA, especialmente por Geertz e Schneider).]
Na segunda parte do livro, Laraia se dispõe a mostrar, de início, como a cultura condiciona a visão do mundo do homem. Para o autor, “o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado de uma ação de uma determinada cultura” . Laraia nos fornece um exemplo simples, mas muito eficaz, para ilustrar esta perspectiva – o riso. Sujeitos de diferentes culturas riem de coisas distintas e por razões distintas. Um índio Kaapor pode rir de susto; os japoneses por vezes riem por etiqueta; os americanos riem de comédia pastelão etc. Da mesma forma que o riso, o uso que se faz do corpo também depende da cultura, como sugere o autor ao citar o artigo de Marcel Mauss, Noção de Técnica Corporal. Dentre os exemplos, destaca-se a diversidade gastronômica humana, de onde decorre que alimentos considerados saborosos e requintados em uma cultura podem despertar repulsa em outras. A partir desta idéia de “repulsa ao que soa estranho”, o autor chama a atenção par uma tendência etnocêntrica, a qual consiste, em termos gerais, em considerar cada um o modo de viver da sua cultura como superior aos demais.
Em seguida, Laraia retoma o tema das influências da cultura sobre o biológico, usando como exemplo os índios Kaapor, que crêem que a visão de um fantasma é um sinal de morte – e o crêem de forma tão veemente que os índios chegam a morrer. A influência da cultura sobre o organismo também se evidencia no surgimento de doenças psicossomáticas, ou na eficácia do conhecido “efeito placebo”.
Laraia coloca a seguir que os indivíduos participam diferentemente de cada cultura. O grau de participação de cada um numa cultura depende de inúmeros fatores, como idade, sexo, posição social etc. O autor fornece vários destes casos, como por exemplo, o estabelecimento de uma idade mínima para o voto ou para o casamento. Neste sentido, destaca também a importância de cada um conhecer minimamente o sistema cultural no qual está inserido. È a partir destes sistemas que as pessoas sabem como agir, o que é lícito fazer ou não etc, de modo a se enquadrarem socialmente.
Laraia enfatiza também que toda cultura possui uma lógica própria, ou seja, não é possível deslocar a lógica de um dado sistema cultural para outro, do mesmo modo que um fato cultural apreende seu sentido apenas na configuração que lhe é própria, pois “a coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence” . Assim, a análise de uma outra cultura requer um distanciamento da “cultura própria”, a fim de que as referências da última não sirvam de critério para as primeiras.
Ao fim do livro, Laraia expõe um último ponto: a cultura é dinâmica, de modo que nenhuma sociedade é estática – mesmo que o ritma de mudança de determinadas sociedades seja menos acelerado que de outras. Existiriam também dois padrões de mudanças – o da dinâmica que se efetua a partir do próprio sistema cultural e o que resulta do contato com uma outra cultura. Este último é o que se dá de forma mais atuante na maior parte das sociedades, recebendo maior atenção da Antropologia. Entender a dinâmica de um sistema cultural “é importante para atenuar o choque entre gerações e evitar comportamentos preconceituosos ”.
Finda a leitura deste ótimo livro, nota-se que ele cumpre com louvor a proposta do autor, que é a de iniciar os interessados ao estudo da cultura. O texto de Laraia é de linguagem simples, acessível, mas nem por isso deixa de ser sofisticado e completo, em função não somente da riqueza de exemplos e citações, mas também por abordar algumas das questões mais significativas em torno da problemática sobre a cultura com grande eficácia e sensibilidade. Leitura recomendada não apenas aos estudantes de Ciências Sociais, mas para qualquer pessoa interessada em avançar seus conhecimentos sobre este objeto de estudo tão rico e complexo, que é a cultura.


Referências:
CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO. Regis Augusto Domingues Resenha. Revista Antropos – Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 ISSN 1982-1050

Resenha crítica do livro Cultura – um conceito Antropológico, de Roque de Barros Laraia. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 1988

http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/2886834

Arquivo em PDF Edição 14ª:


Audiolivro - Roque Laraia - Cultura: um conceito antropológico - 1

https://www.youtube.com/watch?v=wAR3bp28C8s